Rio Itapicuru

Símbolo vegetal da natureza 
ele mostra que a vida com beleza, 
até na pedra bruta desabrocha.” 
Nonato Marques em “Santo Antônio 
das Queimadas”, pág. 80/81. 

Segundo Nonato Marques, o Itapicuru é o maior rio do nordeste 
baiano. Suas nascentes localizam-se no sistema geral Espinhaço/Dia- 
mantina, nas escarpas da serra do Tombador, no município de Miranga- 
ba, estado da Bahia. 
Em sua “viagem” para o mar banha diversos municípios, dentre 
eles, o de Queimadas. 
Em uma extensão de 130 quilômetros desliza mansamente, contido 
em seu leito por margens areentas, sombreadas por árvores e arvoredos. 
O lençol de águas límpidas refletia o azul celeste ornamentado em suas 
bordas por aflorações rochosas de diversos formatos e tamanhos e por 
juazeiros, ingazeiras, quixabeiras e arbustos como o são joão, o mulungu 
e vegetação rasteira como o capim de burro, que as protegem da ero- 
são. 
Por entre arbustos, à beira de um lajedo e entre rochas de pequeno 
porte, destaca-se um rochedo com cerca de quatro metros de altura, ten- 
do em seu topo uma árvore frondosa cujas raízes romperam suas entra- 
nhas, fendendo-as, abrindo caminho para fincar suas raízes na terra. É o 
“juazeiro da pedra”, que emerge com o verde de suas folhas e o dourado 
de suas frutas, contrastando com a vegetação que o circunda. 
O rio estava a cerca de 300 metros de nossa casa, fazia parte de 
nossas vidas. Suas águas e suas ribeiras eram espaços que convidavam às 
brincadeiras. 
Apesar de sermos “vizinhos” não nos era permitido ir às suas mar- 
gens e muito menos banharmo-nos em suas águas! 
Em casa os adultos impunham-nos severas restrições, temerosos de 
“más” amizades, de acidentes e de doenças provocadas por picadas de 
animais peçonhentos ou de insetos. 
Quando nos permitiam, íamos vê-lo sem nos aventurarmos a mer- 
gulhar em suas águas azuladas ou enfrentar a força de sua correnteza, 
como faziam outras crianças. Satisfazíamo-nos contemplando-o à dis- 
tância, embevecidos com suas belezas. 
Às vezes fechava os olhos e punha-me a “viajar com o rio”, percor- 
rendo “caminhos” por ele conhecidos, passando sob pontes, engrossan- 
do aqui e ali, recebendo águas de afluentes como o Jacurici, o Monteiro, 
o Itapicuru-mirin. 
De quando em vez “pescávamos” piabas com tubo de candeeiro, 
tendo como isca farinha de mandioca ou migalhas de pão. 
Papai falava de sua juventude e de suas peraltices no rio, das gran- 
des enchentes e dos prejuízos causados aos ribeirinhos, principalmente a 
de 1911, a mais violenta; destruiu a cidade de Queimadas. 
Em meu tempo de criança e adolescente o rio era perene, salvo nos 
períodos de secas prolongadas. 
Suas águas límpidas eram viveiro de peixes de variadas espécies, 
como traíra, cobó, curimatá, mandi, piau, além de crustáceos, como o 
saboroso pitu. 



Para atravessá-lo utilizavam-se canoas ao preço de dois tostões por 
pessoa. Arriscando- se perigosamente podia-se transpô-lo pela ponte da 
Viação Férrea do Leste Brasileiro, feita com chapas de ferro que se cru- 
zavam formando quadriláteros em toda sua extensão e altura, sustenta- 
dos, nas cabeceiras, por potentes colunas do mesmo material assentadas 
em paredes de pedras lavradas. Todo o material teria sido importado da 
Inglaterra. Trocaram-na por uma ponte feia e “pesada”! 
Com o desmatamento de suas margens o rio minguou. As canoas, 
por desnecessárias, desapareceram. A travessia passou a ser feita a pé ou 
em montaria. 
Em suas águas e em suas margens meninos de todas as idades e 
condições sociais pescavam, conversavam, gritavam, brigavam, xinga- 
vam-se, brincavam e nadavam. 
Os galhos das ingazeiras e a ponte da estrada de ferro serviam de 
trampolins de onde pulavam para suas águas. Os mais destemidos e afoi- 
tos preferiam a ponte, cuja altura era superior a dez metros. As lavadeiras, 
cantarolando modinhas e fofocando sobre a vida 
alheia lavavam roupas, estendendo-as sobre lajedos ou sobre o “capim 
de burro” para quarar. As cercas serviam de varal; ali, os panos, como 
velas ao vento, secavam com brevidade. As roupas davam ao ambiente 
um colorido especial, à espera de um pintor para perpetuá-la em tela. 
 Em época de secas prolongadas a água escasseava, o curso do rio 
era interrompido, álveo exposto mostrando areias, seixos e uma ou outra 
poça com água coberta por fina camada de limo. 
Em busca da água cavavam-se cacimbas na camada de areia aparen- 
temente ressequida que a ocultava e a protegia na profundidade. 
Com a escavação ela brotava, minava pachorrentamente por entre 
os grãos de areia. Eram “lágrimas” vertidas sem forças para jorrar. 
Para mim, criança, era um mistério ver, da areia, porejar a água que 
era colhida com latas ou outros utensílios e posta em barris era condu- 
zida ao consumidor. 
O povo, religioso e crédulo, organizava procissões por trechos do 
álveo seco do rio carregando andor com a imagem São José, entoan- 
do orações suplicando-lhe chuvas. Pedidos nem sempre atendidos com 
presteza. 
Quando as chuvas caiam nas cabeceiras do rio ou de seus afluentes, 
ele “engrossava”, “tomava água”. 
Certo dia, levados pela curiosidade e pelo sabor da aventura, eu, 
Ivan e Demi acompanhamos pelas margens do rio a procissão. Havia 
notícias da chegada de “água nova”. Falava-se que chovera nas cabecei- 
ras do rio e que a água se aproximava de Queimadas. 
Lá fomos nós. Chegamos às frondosas quixabeiras que mais tar- 
de seriam tombadas por mãos perversas. Vimos máquinas abandonadas 
cuja serventia ignorávamos. Deixadas ao léu, foram destruídas pela fer- 
rugem e pelo vandalismo. Por curiosidade paramos para observá-las, foi 
quando ouvimos gritos de alegria e o espocar de foguetes anunciadores 
da chegada da água. Descemos a ribanceira e fomos até o leito do rio. 
Assistimos com olhares reluzentes e curiosos a “água nova” invadir pou- 
co a pouco o leito do rio, encharcando a areia e ocupando espaços. Logo 
passou a cobrir o leito um lençol de água barrenta formando correnteza. 
Era o rio que voltava, que renascia com vigor. 
A chegada das águas animava a todos. É o momento de plantar e de 
esperar grandes colheitas. É a renovação de esperanças. 
 Vimos a “invasão” das águas até onde foi possível. Ao nos apro- 
ximarmos de casa seu volume era expressivo. Entramos em casa como 
gatos desconfiados e treiteiros receosos das reprimendas, das quais não 
escapamos. 
Por ser o menor fui poupado; consideravam que fora levado pelos 
mais velhos, mesmo assim tive que ouvir o “sermão”. Os outros foram 
repreendidos pelo “absurdo” que cometeram: ir ao rio sem permissão! 
Ocasiões havia em que a água avançava devagar, infiltrando-se pe- 
los recantos das pedras, encharcando a areia, cobrindo-a e aos seixos, 
galgando lajedos e prosseguindo viagem em direção ao oceano. 
Quando o volume de água era excessivo o rio agigantava-se, ganha- 
va forças, tornava-se impetuoso e perigoso causando danos aos homens 
e ao meio ambiente. 
Sua calha não comportava a água e transbordava. A vazão era insu- 
ficiente. O rio, durante dias, esparramava-se pelos vales e áreas próximas. 
Era o fenômeno das enchentes! 
A água avança aos poucos ou aos borbotões; cresce, transpõe suas 
margens, invade espaços, ganha forças e arrasta o que encontra pela 
frente. 
A noticia de chuvas nas cabeceiras do rio era motivo de regozijo. 
Renovavam-se as esperanças de dias de fartura. Organizavam-se carava- 
nas que iam ao encontro das “águas novas” que, da nascente, com dois 
dias de “viagem”, estarão “lavando” o leito do rio em Queimadas. 
Embevecia-me ao ver filetes de água deslizando e umedecendo a 
areia, encharcando-a e logo mais formando poças que em pouco tempo 
são tragadas pela água que cresce, ganha força e torna-se correnteza 
tempestuosa. Era a “água nova!”. Assim a denominávamos. Era barrenta. Tom- 
bava árvores, arrastava água-pé, animais, madeira, o que tivesse em sua 
frente. 
Como nossa casa ficava à margem do rio, algumas vezes tivemos 
que deixá-la e abrigarmo- nos em casa de parentes. 



Em 1942 houve uma grande enchente. Encontrava-me com meu 
Pai às margens do rio, próximo ao local onde estava o catavento, no 
topo de uma pedra. Nesse ponto a correnteza bifurcava-se, as águas que 
desciam violentas abraçando a pedra, após transpô-la, reencontravam-se 
e formavam um redemoinho que sugava tudo o que passava por perto. 
Dois homens fortes, bons nadadores, saltaram da ponte da estrada 
de ferro para as águas do Itapicuru. Nadaram bem até a pedra do ca- 
tavento. Um deles não se atreveu a prosseguir. Atracou-se às ferragens 
do catavento. Apavorado, nervoso, temia a morte, mas estava salvo, em 
lugar seguro. 
Seu companheiro caiu no redemoinho. Lutou bravamente, foi ven- 
cido. Não conseguiu ultrapassá-lo, foi sugado pela correnteza; algumas 
vezes conseguiu voltar à tona, mas, a força das águas venceu-o. Os que 
viram a tragédia não tinham como socorrê-lo. 
Essa é a única lembrança triste que tenho do rio. 
(23/01/05) 


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Foto 14. O rio Itapicuru em época de enchente, ao fundo, a ponte Inglesa.
Foto 15. O canoeiro, Aloísio, Demi, Antônio e Ivan. Na época, quando sua profundidade era bem maior que nos dias de hoje, atravessava-se o rio em canôas. 
Foto 16. O catavento, em época de enchente.

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