Temor a Lampião


Virgulino Ferreira da Silva, o lendário Lampião foi, por anos seguidos, o terror dos sertões nordestinos. 
Em suas andanças por terras sertanejas humilhava e amedrontava os sertanejos. Praticou atrocidades: matou, torturou e saqueou. 
Em 22 de dezembro de 1929 ele e seus sequazes entraram tranquilamente em Queimadas, pequena cidade do nordeste da Bahia. Estava desprevenida, pois circulavam rumores que os facínoras estavam a muitos quilômetros de distância. 
Lampião e seu bando atravessaram o Itapicuru em canoas e rumaram para a cidade. Imaginou-se que era uma “volante” da Polícia que estava chegando. 
No percurso da margem do rio Itapicuru até entrar na cidade “deu de cara” com “Black”, um belo e valente cão, parecia uma onça pintada. 
Seu pelo era malhado, branco, preto e luzidio. Dormitava em frente à nossa casa, passagem obrigatória do bando. 
O valente e intrépido Lampião temeu-o; assustou-se com seu porte! Interrompeu por instantes a marcha rumo ao quartel. Deteve-se. 
Voltou-se para o animal e fez-lhe continência com o fuzil engatilhado, pronto para o ataque. Afastou-se cautelosamente. 
Meu Pai estava próximo e percebeu a cena. Reconhecendo Lampião, disse-lhe: 
– “Capitão, o cachorro é manso, não morde”. Ele retrucou: 
– “Quem pode confiar em uma fera dessas?”. 
Apesar da ponderação, manteve a arma voltada para o cão até ganhar distância. O cão, preguiçoso e indolente, manteve-se impassível. O Rei do Cangaço não o intimidou! 
O Sr. Patápio que estava com meu Pai, amofinou-se, “deu no pé”. 
Lampião, em marcha batida, atravessou a cidade, tomou o quartel de assalto, prendeu os soldados, soltou os presos e deu toque de recolher. Policiais, julgando tratar-se da Polícia, acudiram ao chamado e foram presos. 
Papai viu passar um soldado em direção ao quartel. Chamou-o e aconselhou-o a fugir dizendo-lhe que Lampião ocupara o quartel. O soldado, incrédulo, seguiu em frente. Teve o mesmo destino de seus colegas. 
Lampião dominou a cidade por cerca de 20h. Nesse tempo instaurou o “reinado do terror”. 
Absoluto! Sem limites ditou “leis”, impôs “tributos” e ditou comportamentos. Prendeu, soltou e aplicou a pena capital. Sangrou sete de “seus súditos”! 
Por um positivo Papai foi chamado por ele para extorquir-lhe a “contribuição” da qual se considerava credor. Antes de atendê-lo, abriu portas e janelas do Chalé onde morava e entregou-o a seu irmão caçula, Vavá, recomendando-lhe que se chegasse algum “cabra”, dissesse-lhe que o dono da casa fora atender ao convite do capitão. 
Lampião, com a cooperação do Juiz de Paz, relacionou as pessoas “de posse” da cidade, estabelecendo a quantia que cada um deveria “doar-lhe”. 
De meu Pai, por ser Coletor Federal, exigiu três contos de réis. Ele ponderou não dispor dessa quantia, pois a Coletoria pouco arrecadava porque a região era pobre. 
Lampião deu-lhe um ultimato: “Trate de arranjar. Se não arrumar o dinheiro você irá com o bando e toco fogo na Coletoria”. Papai pediu- lhe tempo para conseguir com amigos “juntar” o dinheiro. 
Todos que estavam na lista atenderam às ordens do Capitão, “doaram-lhe” os valores estipulados. 
Após apoderar-se do “butim”, Lampião comemorou a façanha. 
Ele e seus comparsas organizaram uma festa na sede da Sociedade Lira Queimadense. Convocou os músicos locais e o povo para a folia. 
As moças das famílias representativas da sociedade esquivaram-se, mas houve festa. Em regozijo, dançaram e brincaram comemorando o êxito da marcha sobre Queimadas. Com cachaça e sanfona o arrasta-pé “rolou” até raiar novo dia. 
Enquanto se divertiam, no quartel havia dor e angústia. Os soldados presos passaram a noite em desespero. Aos gritos lancinantes imploravam socorro! 
Terminada a festa, antes de arribar, Lampião executou a “sentença” de morte dos soldados. Retirados da prisão, um a um, eram levados à praça e executados no passeio do quartel. 
Lampião determinava-lhes que tirassem as caneleiras. Quando o soldado abaixava a cabeça para cumprir a ordem, era sangrado na jugular com um punhal. Em um deles, o cangaceiro Volta Seca fincou o punhal no cachaço, em seguida, lambeu a lâmina do punhal. Tinha cerca de 14 
anos de idade, mas era um criminoso frio e temível. 
Concluída a chacina fugiram deixando ao relento sete cadáveres. 
Se, desta feita houve surpresa, em outras muitas foi esperado e não 
apareceu. 
Às vezes espalhava-se o boato que estaria retornando. O medo e o pavor dominavam a todos! A correria para deixar a cidade era geral. Homens, mulheres e crianças fugiam para sítios ou fazendas próximas. 
Um observador que se postasse em um ponto elevado veria que a população deixava a cidade, refugiando-se na caatinga. Era o êxodo temporário. Tomavam-se os mais diversos caminhos. O percurso era feito a pé ou em carroças onde se acomodavam adultos, crianças, roupas e 
utensílios domésticos. 
Depois do susto sabia-se que Lampião estava distante e os migrantes retornavam. 
Para as crianças as migrações temporárias eram motivos de alegria. 
(16/08/05) 
Obs. A narrativa é livre, sem preocupação com a fidelidade histórica.


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Foto 20. Lampião e seu bando, fonte internet.
Foto 21. Lampião e Maria Bonita, fonte internet.

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