Banho de Ternura
“De toda a memória somente vale
O dom esclarecido de evocar os sonhos.”
(Antônio Machado in Livro dos Sonhos de Jorge Luís Borges.)
Foi há anos, muitos anos, que ocorreram os fatos que vou narrar.
Tudo aconteceu em noite de lua cheia em um belo jardim, vendo-se
ao fundo uma mansão. Na penumbra viam-se fiapos de luz do candeeiro
que se infiltravam pelas janelas e perdiam-se por entre as sombras das
árvores.
Em seu interior estavam os personagens desse idílio: um jovem ca-
sal e seus cinco filhos pequenos. Reunidos na sala de jantar, conversavam
e brincavam.
No ar friorento, sacudidos pela brisa, insetos e morcegos revolute-
avam na luta incessante pela sobrevivência.
De quando em quando, ouvia-se o piar soturno da coruja.
Em terra, os sapos punham-se de atalaia, preparados para o ataque,
olhos esbugalhados e atentos, patas prontas para o pulo, à espera da
caça. Arbustos e plantas roçavam-se no embalo acariciador do vento.
No jardim o tanque “sangrava” jorrando água captada pelo cata-
vento do rio Itapicuru que, por gravidade, chegava à nossa casa.
A água que transbordava do tanque escorria pelo terreno, chocava-
se com as pedras e com a terra humosa, exsudando o cheiro de terra
molhada. O ruído da água despertou a atenção de Papai e fê-lo descer ao
jardim. Da janela da sala observávamos seu trabalho.
Vendo nossa curiosidade Mamãe passou-nos pela janela, entregan-
do-nos a Papai, que nos pôs em baixo dos jatos de água que caiam do
tanque. Quando voltamos aos braços de nossos pais o frio da água logo se
desfez.
Éramos bem pequenos, deles recebíamos carinho, afeto e prote-
ção.
Esse foi um momento mágico de felicidade, de ternura e de amor.
Após o banho fomos para o leito e adormecemos ouvindo nossa
Mãe nos contando encantadoras estórias do “Arco da Velha”.
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Foto 02. O jovem casal João Lantyer e Maria de Lourdes, meus pais.
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