Meu Pai

“O presente está só. Mas a memória erige o tempo. Sucessão e engano, esta é a ro- 
tina do relógio.... O hoje fugaz é tênue e é eterno; nem outro Céu nem outro Inferno 
esperes.” 
Jorge Luís Borges  (O instante – In Nova Antologia)


JOÃO LANTYER DE ARAÚJO CAJAHYBA, filho de Francisco 
Lantyer de Araújo Cajahyba e de Joaquina Nonato Borges Cajahyba, 
nasceu em Queimadas/BA em 24 de setembro de 1895; casou-se com 
Maria de Lourdes, sua prima, em 24 de setembro de 1925. Do casamen- 
to advieram- lhe seis filhos e de união anterior, duas filhas. 
 Após a morte de minha mãe em 25/04/1935 passou a conviver 
com Maria Cândida de Abreu, com quem se casou em 1975. Não tive- 
ram filhos. 
Foi Coletor Federal de 1917 a 1957, quando se aposentou. No de- 
sempenho de suas funções houve-se com ética, competência, espírito 
público e dedicação ao trabalho. 
Por amor à sua terra natal recusou transferência para coletorias em 
cidades mais prósperas, como Vitória da Conquista e Serrinha. 
Paradigma de cidadão: íntegro, justo, leal, pacífico, ponderado, con- 
ciliador, bondoso, inteligente, comedido, trabalhador e criativo. 
Cordial e afável no trato. Mesmo em momentos de crise não altera- 
va a voz. Irradiava tranquilidade. Sua alma era límpida, sem problemas, 
sem mágoas, sem ódios, sem rancores. 
Por natureza era introvertido e, por opção, fatalista. 
Quando algo o incomodava, franzia o cenho e ficava taciturno, to- 
davia, uma conversa agradável deixava-o à vontade, descontraia-o. 
Sensível, mas emocionalmente controlado. Nunca o vi exasperar-se, proferir palavrões, expressões chulas ou mesmo palavras ásperas, 
ofensivas a quem quer que seja. Aceitava os revezes da vida com digna 
resignação. 
Raramente externava sentimentos. Aparentemente impassível, 
quando sofria ficava em silêncio. Alegria, por maior que fosse a satisfa- 
ção, manifestava-a com um sorriso manso, quase imperceptível. 
Sem o saber, era um estóico, cujo ideal era “viver em perfeito acor- 
do e em total harmonia com a natureza, dominando suas paixões e su- 
portando os sofrimentos da vida cotidiana até alcançar a mais completa 
indiferença e impassibilidade diante dos acontecimentos”. 
Tinha bom senso e acuidade para analisar fatos e inferir possíveis 
consequências, de tal sorte que parecia adivinhar. 
Por sua compostura, seriedade, equilíbrio e imparcialidade, impu- 
nha respeito e confiança. Excelente mediador. Sua opinião quase sempre 
era acatada. 
Exímio epistológrafo tinha rara facilidade para comunicar-se, con- 
catenar idéias e narrar, com acuidade, fatos e acontecimentos. Sabia 
como poucos, prender a atenção do ouvinte quando descrevia situações, 
ocorrências ou quando contava histórias, anedotas. 
Não tinha vícios. 
Mantinha relações amistosas com aqueles que o conheciam. 
Dedicou a vida ao trabalho e à família. 
Responsável, educou os filhos com afeto e amor. Com sacrifício 
proporcionou-lhes preparo intelectual e formação universitária. Esfor- 
çava-se por minorar a falta do carinho materno. 
Ensinava-lhes, com o exemplo e com palavras, preceitos de edu- 
cação social, doméstica, de higiene e etiqueta. Transmitia-as contando 
estórias por ele criadas que ficavam gravados na mente das crianças para 
sempre. Não lhes impunha sua vontade, seus desejos, mas sabia condu- 
zi-los com prudência e acerto. 
Seus conselhos eram ponderados e ditos com sutileza em conversas despretensiosas, mas deixava transparecer seu ponto de vista, sua opinião. 
Sugeria-lhes o que achava certo e explicava o porquê de seu entendimen- 
to. Não exigia obediência cega. Lançava as sementes do bem e aguardava 
que germinassem. 
Assim procedia para que nos tornássemos responsáveis por nossos 
atos.Procurei seguir seus conselhos. Nas encruzilhadas da vida sua inspi- 
ração foi preciosa. 
Outra faceta de sua personalidade era a preocupação em não ferir 
susceptibilidades, em respeitar a personalidade do ser humano. 
Quando menino eu dizia que queria ser padre. As pessoas mais 
próximas emitiam opiniões, faziam troças. Não obstante de papai nunca 
ouvi qualquer comentário. Ignorou-a. Falava que meu irmão deveria ser 
médico ou militar, eu juiz, e as meninas professoras. Sem imposição foi 
o que aconteceu. 
Sem ser carola, assistia às missas aos domingos e, após o culto reli- 
gioso, visitava as irmãs e pessoas amigas. 
Em determinada época foi político. Comparecia aos atos cívicos, 
aos eventos políticos e sociais. 
Estando ao seu alcance cooperava com a administração pública e 
com a coletividade no que fosse para melhorar a vida comunitária. Ama- 
va sua terra de onde nunca quis sair. 
Seu amor à natureza fê-lo transformar em um belo bosque o sítio 
onde está o chalé. 
Dedicava-se ao criatório de gado vacum mais pelo prazer de criar 
do que por proveitos econômicos, pois as secas frequentes dizimavam o 
criatório. Costumava dizer: – “Nessa terra não se cria, judia-se”. 
Apreciava trabalhos manuais. 
Distraia-se fazendo pequenos reparos. 
Fisicamente era bem apessoado, forte, boa estatura. 
Era cuidadoso, quase vaidoso, no trajar. Enquanto esteve em ativi-dade era raro vê-lo em manga de camisa. Usava, com habitualidade, o 
traje social completo com paletó, chapéu, gravata e sapato. Mesmo em 
casa era difícil encontrá-lo à vontade. 
Assim era Papai. 
(5/06/07) 

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Foto 04. João Lantyer, meu pai.

Comentários

  1. Como é Rica a história de nossa família...

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  2. Parabéns, Antonio. Belo trabalho.
    Também tenho parentes em Queimadas. Meu avo Manoel Cezário do Nascimento teve 40 filhos e sempre ganhava o concurso nas festas da cidade como aquele que tinha mais filhos... Se tiver alguma notícia dele, agradeço. Grande abraço

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