Chegada Festiva


Uma das compensações do avanço da idade é o entesouramento de lembranças, as- 
sim como de acontecimentos que se testemunhou. Isso, de certo modo, equivale a uma 
segunda vida. E se a pessoa tem a fortuna de conservar a memória, recordar é não 
somente viver de novo, mas fazerem vir do abismo do tempo os momentos felizes”. 
Jorge Calmon 
Artigo publicado em “A Tarde” de 6/04/04 

Quando cheguei a este mundo, às 23 horas do dia 13 de junho de 
1929, havia festas, bailes, foguetórios, cheiro de pólvora no ar e alegres 
cantilenas. 
O dia fora de regozijo. Homenageava-se Santo Antônio padroei- 
ro da cidade de Queimadas, entronizado em modesto altar na igrejinha 
branca no cimo de pequena colina, em um descampado a cerca de dois 
quilômetros da cidade cujo acesso era feito por estrada de terra que se- 
cionava a vegetação rala e miúda da caatinga, como o alecrim, o pinhão, 
o são joão, o mandacaru, o juazeiro, pau de rato, o xiquexique, a palma- 
tória e outros. 
Em meio ao percurso está a capelinha de São José; à sua frente um 
cruzeiro, de um lado um cemitério e do outro lado uma carneira solitária 
e anônima; mais ao alto fica a igreja do Padroeiro. 
Não há memória da data de sua edificação, não obstante Nonato 
Marques diz que teria sido concluída em 1815 (In Santo Antônio das 
Queimadas, pág. 13). 



É pequena, tem forma retangular, janelas e portas verdes e paredes 
brancas com cerca de 80 centímetros de largura, erguidas com grandes 
pedras irregulares rebocadas e caiadas. 
Em seu interior, no centro, fica a nave contornada por alpendres e 
com paredes vazadas em arcadas romanas. 
Visto de fora e à distância o telhado lembra um pássaro gigantesco alçando voo, 
asas distendidas e cabeça altiva voltada para o céu; nele 
aninham-se andorinhas e morcegos. 
O piso é feito de tijolões retangulares de barro cozido entremeados 
com lápides de tamanhos, posições e épocas variadas, não obstante há 
beleza no arranjo espontâneo, instintivo e irregular. 
O acesso ao coro é feito por escada de madeira carunchosa. 
A partir do meio da nave, mais precisamente do arco e da grade de 
madeira que a separa do altar-mor, o piso se alteia em patamares, até o 
mais elevado onde fica a imagem de Santo Antônio em singelo nicho. 
Nos degraus inferiores ficam outras imagens e ornamentos. 
O ambiente é de penumbra; a iluminação e a ventilação são precá- 
rias. 
A igreja não tem mobiliário. Para os ofícios religiosos os fiéis levam 
genuflexórios individuais, ou “cadeiras de missa”, como eram denomi- 
nadas. No adro, em frente, ergue-se sobranceiro o símbolo do cristianis- 
mo, o cruzeiro, feito de madeira, contornado por três pequenos degraus, 
onde os cristãos oram e deixam mensagens e “ex-votos” ao Taumaturgo 
por graças alcançadas. 
Ao lado direito e ao fundo fica o cemitério. Sua história está envolta 
em estórias fantasiosas de tesouros escondidos em suas entranhas. Es- 
cavações feitas na calada da noite em seu interior teriam rendido bons 
frutos aos visionários caçadores de tesouros. 

“O mito é o nada que é tudo...”. 
Fernando Pessoa. 

Conta a lenda que Dona Izabel Maria Guedes de Brito, cuja família 
detinha vastas extensões de terras que iam dos sertões baianos até aos 
do Piauí, devota zelosa do Glorioso Santo Antônio, mandou edificar 
uma capela onde pudesse venerá-lo. Em testamento, legou-lhe não só 
a capela, mas lonjuras de terras, milhares de cabeças de gado vacum e 
inúmeros escravos. 
Com sua morte ELE se tornou dono de fortuna incalculável, mas teria sido 
processado porque, na porta de sua igreja fora encontrado o 
cadáver de um escravo assassinado. Ignorando-se o autor do crime por 
ele respondeu o dono da “casa”. 
Por isso teria sido julgado e condenado, perdendo todo seu cabedal 
com o custeio das despesas processuais e indenização ao dono do escra- 
vo. Restou-lhe, apenas, a igrejinha. 
Essa lenda tem atravessado séculos! 



Nessa igreja é onde se celebram as festividades religiosas que o 
glorificam. São 13 dias de festas e orações. O alvorecer é saudado com o 
pipocar de foguetes e rojões. 
À noite orações são rezadas na igreja do Taumaturgo. Cada dia é 
patrocinado por um grupo de pessoas irmanadas nos sentimentos, en- 
sejando rivalidade benfazeja. Todos capricham em criatividade na orna- 
mentação da igreja e na quantidade e qualidade dos fogos de artifício 
queimados diariamente. 
A igreja, como visto, fica distante do centro da cidade. Seu caminho 
é percorrido a pé pelos fiéis no escuro das noites ou no claro embaçado 
do luar, resistindo ao frio seco e penetrante do inverno nordestino. Ape- 
sar da distância e do desconforto para percorrê-lo, o templo fica pleno 
de devotos que entoam orações e cânticos sacros em louvor ao Orago. 
Encerra-se no dia 12 o ciclo de rezas noturnas. Os organizadores 
das festas voltam suas atenções para os preparativos do 13 de junho, dia 
de eventos e emoções. 
Cedo tem início a movimentação dos fiéis, enfarpelados e vaidosos, 
vestes novas, deslocam-se para a colina aos grupos, em alegre algazarra. 
Dentre essa gama de fiéis estão moças casadoiras desejosas de ar- 
ranjar marido. Vão à igreja confiantes que as socorrerá o Santo casamen- 
teiro. 
Logo mais a pequena nave fica apinhada de devotos. Pessoas de to- 
das as idades e condições sociais: ricos, pobres, autoridades e o povaréu 
da roça e da cidade espremem-se no ambiente exíguo, aguardando a hora 
da missa solene. 



Às 10 horas a igreja borbulha de gente. Todos satisfeitos em ho- 
menagear o Padroeiro, agradecendo-lhe milagres, implorando-lhe novas 
mercês ou apenas pagando-lhe promessas. 
No topo do altar da humilde igrejinha, com paramentos simples, 
está Santo Antônio, envolto por flores, com Deus Menino nos braços, 
abençoando os fiéis. 
No recinto pequeno e abafado, ardem círios paulatinamente con- 
sumidos pelo fogo. No ar mesclam-se odores de fumaça, de suor, de 
perfumes e de flores murchas. Ribombam foguetes! 
Os morcegos e as andorinhas esvoaçam em vôos rasantes sobre os 
fiéis até encontrarem a saída para amplidão do céu azul. 
Às 10 horas o Padre, com paramentos festivos de cor verde, chega 
ao altar. Os fiéis acomodam-se. Ouve-se o ruído do atrito dos genuflexó- 
rios com o piso. A filarmônica emite os primeiros acordes. O murmúrio 
cessa. As atenções voltam-se para o Padre, que dá início à Santa Missa. 
As beatas com fervor, em brados esganiçados, cantam hinos sacros 
em louvor ao milagroso Santo. 
No momento da elevação do Santíssimo Sacramento o velho sino 
repica e os devotos contritos ajoelham-se, baixam a vista e oram em 
silêncio, perturbados pelo vozerio dos que ficaram nos alpendres e no 
adro. 
Quase ao meio dia, terminada a missa, os fiéis voltam à cidade. 
À tarde retornam para o préstito. O céu está límpido, sem nuvens. 
O Sol resplandece, dando-lhe brilho incomum. O calor é intenso. 
É o momento da procissão. Os devotos vão chegando e tentam 
organizá-la. O Padre põe disciplina no ajuntamento. Agrupa as pessoas 
em duas filas paralelas, escolhe os que conduzirão os andores e dá sinal 
para o início da caminhada. 
A marcha inicia-se tortuosa. O cortejo desloca-se lento e lerdo ten- 
do à frente o Sacristão Bandeira, solenemente empertigado, ereto, enver- 
gando sobrepeliz, olhar perdido no horizonte, levando orgulhosamente 
seguro pelas mãos uma cruz de madeira de cujos “braços” pendem tiras 
de pano brancas entrelaçadas e esvoaçantes. 
As crianças e os adolescentes eram os primeiros das filas seguidos 
das “Filhas do Sagrado Coração de Jesus”, que têm pendentes do pesco- 
ço fitas vermelhas com a efígie sagrada. Após, vinham senhoras e senho- 
res. Protegido pelas filas, no centro, sob o pálio conduzido por devotos 
com sobrecapas escuras, ficava o vigário, expondo o ostensório dourado 
“contendo o sangue e o corpo de Jesus”. 
O primeiro andor enfeitado com lírios era o de Santo Antônio. 
Atrás vinham os do Sagrado Coração Jesus, Nossa Senhora do Rosário 
e Nossa Senhora Aparecida. Por último a filarmônica Lira Queimadense 
tocando músicas sacras. 
As beatas aos brados e desentoadas cantavam hinos em louvor ao 
padroeiro. 
O séquito desceu a colina rumando para o centro da cidade seguido 
pelo povo entoando hinos religiosos em louvor ao Santo Antônio de 
Lisboa. 
Eis a letra de um desses cantos: 

“Salve grande Antônio, Santo universal 
Que amparais os aflitos, contra todo mal (coro). 
Bem merecestes, ter com amor em vossos braços, o Salvador (bis) 
Desprezando as honras, pela vã pobreza, a Jesus vos destes, com 
ardor e firmeza. 
Em santas missões, povos convertestes. 
Em vossa língua santa que não pereceu. 
Irmão protetor sois dos brasileiros, que milagres cantam, por séculos 
inteiros.” (*) 

À tardinha, depois do préstito, o povo se dispersa e Santo Antônio 
retorna à sua igreja, onde se reza o terço. 
Mas o dia não é apenas de orações, é também de festas mundanas 
que, à luz de candeeiros, fifós ou lamparinas, varam a madrugada. 
A noite é a vez das quermesses e dos bailes. O principal deles realiza- 
se na sede da Sociedade Filarmônica Lira Queimadense. É onde brilham 
as senhoras e senhoritas da sociedade com trajes de sedas farfalhantes 
confeccionados para o grande dia. 
Em outros pontos da cidade há bailes organizados por pessoas hu- 
mildes. É o “arrasta-pé” animado com sanfona e cantilenas chistosas, re- 
gados com cachaça. 
Foi na hora em que o povo se divertia que “desembarquei” neste 
Mundo. 
(14/06/06) 


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(*) Obs.: créditos de Ivone e Ivanir Lantyer da Silva. 
Foto 07. Festa de 13 de junho, anos 70.
Foto 08. Igreja de Santo Antônio das Queimadas, início do sec. XX.
Foto 09. Igreja de Santo Antônio das Queimadas, anos 1950.
Foto 10. Imagem de Santo Antônio.

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