Cabeludo


Meus cabelos eram negros e sedosos; tive-os longos até cinco ou 
seis anos de idade, diferenciando-me dos outros meninos que os traziam cortados de acordo com o modelo masculino. 
Por esse motivo era arreliado por crianças e adultos. Era constrangedor, pois, naquele tempo, o corte do cabelo era um dos sinais 
convencionais revelador do sexo: as mulheres usavam cabelos longos, os homens curtos. 
Não obstante, observei não estar só, um ou dois meninos da minha faixa etária tinham cabelos tão longos quanto os meus. Foi um conso- 
lo! 
Certo dia meu Pai chamou-me para ir à barbearia de Seu Zezinho situada na principal avenida da cidade. 
Foi a primeira vez que entrei em uma barbearia. Lá estavam instaladas quatro cadeiras altas, cada uma com um espelho em frente e uma pequena prateleira onde ficavam pentes, tesouras, navalhas, pincéis para barba. Na parede calendários com estampas de mulheres seminuas 
deixaram-me surpreso e confuso! 
No salão, além de Seu Zezinho, havia outros cabeleireiros e alguns desocupados que ali se reuniam para falar da vida alheia. 
Enquanto aguardava o corte do cabelo de meu Pai, desconfiado e deslocado, sentei-me num banco e fiquei a observar o ambiente. 
A atividade da tesoura, o ruído que fazia e a agilidade do cabeleireiro despertaram-me a atenção. Via o cabelo despencar e cair no chão. 
Conversava-se sobre futebol e fofocas. 
Concluído o trabalho com Papai, chegou a minha vez! 
Seu Zezinho pegou-me pelas axilas, suspendeu-me e assentou-me sobre uma tábua posta sobre os braços da cadeira. Depois jogou em 
meus ombros um pano branco encardido, que me cobriu do pescoço aos pés. 
O imprevisto deixou-me assustado. Era a primeira vez que cortava o cabelo. Tudo era novidade. No primeiro momento lágrimas afloraram 
aos olhos e rolaram pela face!Papai alertou-me dizendo: “homem não chora”. Contive-me. 
Seu Zezinho, com a tesoura em punho, como se fora um cinzel, iniciou a “derrubada das madeixas”. No espelho surgiu um novo rosto! 
Na etapa seguinte o cabeleireiro burilou o corte, aprimorou a imagem. Os cabelos que a ocultavam ficaram espalhados pelo chão da barbearia. 
Quando fui apeado da cadeira estava com outra “cara”! Consolei-me e compenetrei-me. Papai me disse que eu estava com “cara e cabelo de homem”! O efeito psicológico foi bom, elevou minha autoestima. A transformação foi notada e aplaudida. 
Esses fatos ocorreram na década de 30. Somente na de 60, com a eclosão do movimento “hippie”, com a influência de artistas e de grupos 
musicais compostos por jovens rebeldes, irreverentes e cabeludos, foi que se destruiu o estereótipo do figurino masculino – cabelos aparados, 
roupas sóbrias de cores neutras, uso de paletó e gravata. 
Os jovens passaram a usar tecidos coloridos e chamativos, trajes desalinhados, amarfanhados, às vezes rotos e sujos, cabelos longos, desgrenhados, brincos, roupas sumárias de cores berrantes e maior exposição do físico. 
Essa “armadura” do jovem desleixado fez moda em todo o mundo. 
À mulher admitia-se o uso de roupas masculinas como calças, bermudas, jalecos e outros. Libertou-se do jugo masculino passando a 
concorrer com os homens em todas as atividades. A “pílula” libertou-a sexualmente. 
Ela passou a usar roupas sumárias como a minissaia. Tão “mini” que mal cobria a calcinha. Roupa mais sumária, só o maiô “fio dental” 
surgido na década de 70. 
Sem sangue, sem luta, fez-se uma profunda revolução social. 

(07/08/05)


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Foto 28. Antônio aos 5 anos (fotografia de 1933, editada).

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