Grito



Ano de 1932. Grande seca assola o sertão. A paisagem em volta é de árvores desfolhadas, galhos secos e retorcidos, pontilhados, de quando em vez, com o verde sumo dos juazeiros e dos cactos. 
Raios solares fulguram no firmamento, o ar vibra em aparente ebulição. Nuvens brancas esparramam-se nas bordas do horizonte. 
Na monotonia da planície, avista-se, a pequena distância, uma elevação onde afloram pedras e “esqueletos” de árvores. É a Serra Branca. 
Em área que fica à margem da estrada armaram-se inúmeras palhoças, formando-se uma cidade de palha, abrigo de trabalhadores, suas mulheres e filhos. 
Próximo, em uma clareira aberta na caatinga, centenas de homens esmolambados, cobertos com a poeira da terra, com chapéu de palha na cabeça, labutam arduamente na construção do açude no leito seco do rio Monteiro. Usam ferramentas rústicas – enxadas, marretas, picaretas, pás, alavancas, banguês e cepos. 
Entoam cânticos sertanejos reveladores de sentimentos antagônicos de dor e alegria, revolta e resignação; são vozes plangentes, “mixadas” com o tilintar ritmado de ferramentas em atrito com a terra ressequida. 
Sulcam-na, socam-na com cepos ou transportam-na em banguês, de um lugar para outro. 
Uns labutam na construção da barragem, feita de barro e cascalho pilados. Outros escavam o leito do rio transformando-o em uma larga bacia, onde cavam grandes e profundas cacimbas procurando encontrar água. 
A terra retirada das cacimbas amontoa-se em suas bordas até ser transportada, em banguês, cujas varas apóiam-se nos ombros desnudos e calejados dos operários. Pareciam-me formigas em atividade frenética. 
Meu Pai contempla-os. Eu, com três anos, estava aos seus pés, embevecido com o lufa-lufa dos homens, vendo-os e admirando-os, sem entender o que faziam. 
         De repente atiro-me ao chão com as mãos no ventre, contorço- me, grito desesperadamente. Os trabalhadores próximos assustam- se, param por instantes, sem entender o que acontecera. Alguns pensaram que tivesse sido picado por cobra. Meu pai, aturdido, sem atinar com a causa de meu desespero, acudiu-me e, instintivamente, massageou-me o ventre e pôs-me atrás de um montículo de terra para evacuar. Estou 
molhado de suor. A dor cede aos poucos e cessa. 
         Senti cólicas intestinais, mas, por acanhamento, não lhe falei. 
Esse, creio, é um dos fatos mais antigos retidos na memória. 
O açude foi concluído e, ainda hoje, serve à população que habita em suas proximidades. Sua água é pesada, salobra, mas é um socorro para o sertanejo. 
A par disto, suas águas são piscosas. 
(31/08/05)



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Foto 22. Sertão, fonte internet.

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