Lições Inesquecíveis

No quintal de minha casa brincava com Jeremias, menino de família humilde, mais ou menos de minha idade. 
Entre uma brincadeira e outra ele se afastou dizendo-me que ia “mijar”. Adicionei o verbo a meu vocabulário, mas só usei uma vez. 
Passados alguns dias reproduzi-o na presença de minha Mãe. Incontinente recebi uma reprimenda e um ensinamento – a primeira lição 
de zelo com o linguajar. 
Minha Mãe disse-me: “Meu filho, não se deve dizer mijar. É mais bonito dizer urinar”. 
Aprendi a lição e não voltei a reproduzi-lo. 
Ainda não se difundira o onomatopaico “xixi”! 

                                   ***

Estava ao lado de meu pai quando o Sr. Pedro Patápio, mecânico e artesão que sempre lhe prestava serviços, entregou-lhe um trabalho que 
executara. 
Conversaram e papai deu-lhe dinheiro. 
Fiquei intrigado e perguntei-lhe: Por que tinha que dar dinheiro a Pedro? Ele me respondeu: 
“Meu filho, ele precisa viver, alimentar-se e alimentar os filhos, comprar roupas, sapatos, remédios, cadernos e livros. Sem dinheiro ele 
não pode fazer nada disto. Ele ganha dinheiro com o trabalho que faz”. 
E arrematou: “A aranha vive do que tece”. 
Fiquei a matutar o que a aranha tinha a ver com o dinheiro e o que Sr. Pedro tinha a ver com ela. 
Somente anos mais tarde compreendi o alcance do provérbio, quando percebi que o trabalhador é como a aranha, tece a teia que o aprisiona 
para poder sobreviver. 
Essa foi a primeira lição de direito social. 
Eu devia estar com a idade de sete anos.

                                 ***

Nossa casa era rodeada de alpendres e neles aninhavam-se andorinhas. Eu, meus irmãos e primos – ao todo éramos oito – tentávamos, 
com escadas, alcançar os ninhos dos pássaros. 
Papai surpreendeu-nos nessa tarefa perversa e repreendeu-nos, dando-nos uma lição de amor à natureza. 
Disse-nos que os pássaros precisavam viver e que seus pais sofreriam se não os encontrassem nos ninhos. 
Foi o bastante. Paramos a nossa aventura e passamos a respeitar os ninhos. 
Em outra ocasião houve ensejo para uma nova lição que também mexeu com a nossa sensibilidade. 
Dessa vez, com meninos de fora, tentávamos com um bodoque matar passarinhos. Mais uma vez fomos censurados. 
Papai nos disse que se matássemos os passarinhos seus filhotes morreriam de fome nos ninhos por falta de quem lhes desse alimento, o 
que era feito exclusivamente pelos pais. Indagou-nos: “Vocês gostariam que fizessem isso com seus pais?”. 
Nunca mais pensei em caçar. 
Estas foram lições de amor e respeito à natureza que procurei seguir por toda a vida. 

                              ***

Na mesa papai exigia educação e, através algumas máximas, transmitia ensinamentos de etiqueta. 
Se enchíamos o prato e não comíamos perguntava em tom pilhérico: “Vocês tem os olhos maiores que a barriga?”. 
Quando chegávamos atrasados para a refeição ele dizia: “O galo onde canta, ali janta!”.

                         ***

Os meninos, e mesmo os adultos, insultavam doentes mentais que perambulavam pelas ruas de Queimadas. 
São “tipos populares” que andam sem destino nas ruas das cidades. 
Geralmente são arreliados, maltratados por pessoas que se dizem “sãs” e lhes atiram pedras ou que os chamam por apelidos que os desesperam 
e enfurecem. 
Papai condenava tal procedimento e recomendava-nos que não os imitassem. 
Esclarecia-nos: “São doentes e não são assim por vontade própria”. 
Perguntava-nos: “Vocês gostariam que fizessem isso com vocês?” 
E arrematava: “Não se brinca com loucos”. 


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Imagens 23, 24, 25, 26 e 27, pinturas de Cândido Portinari.

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