Vingança
Em casa o ambiente era de tranquilidade. O silêncio era invadido, de quando em vez, pelo vozerio das crianças que brincavam no quintal à sombra de árvores frondosas, cujas silhuetas eram projetadas pela luz solar no chão, nas escadarias e nas paredes do Chalé.
Mundinha, magra, alta (em minha visão de criança), braços e pernas longos e finos, rosto anguloso, perceptível prognatismo, olhos e orelhas salientes, cabelos pretos e crespos, clavículas proeminentes, busto com pequeno relevo e acentuada curvatura na coluna cervical. Deveria ter 17 anos. Filha de Sinha Bela, cozinheira em nossa casa.
Eu e Demi brincávamos no quintal, alegres e felizes mexendo com a terra, observando animais e plantas. “Tagarelávamos”. Ao nosso lado dormitava o cachorro “Black”, grande, de pelo malhado e olhar preguiçoso.
Quando desfrutávamos dessa beatitude, Mundinha chamou-me para o banho. Contrariado, tentei negociar. Pedi-lhe que aguardasse um pouco. Ultrapassado o período de tolerância, novo chamado. Não a atendi, continuei brincando.
Ela desceu as escadas, pegou-me pelo braço, levou-me ao banheiro e colocou-me sob o chuveiro.
Durante a “liturgia” do banho, permaneci “argolado”, esperneando, lutando para ser liberado. Não consegui desvencilhar-me. Gritava em vão. Senti-me impotente.
A água fria do chuveiro não arrefeceu minha raiva, ao contrário, aumentou-a.
Por instantes Mundinha largou-me para pegar a toalha. Aproveitei o “vacilo”, pulei fora e, num abrir e fechar de olhos, molhado e nu, desci às carreiras as escadas e “espojei-me” no chão do quintal onde permaneci por fração de segundos, sorrindo para a cara de zanga de Mundinha.
Estava coberto de terra e vingado!
Ao perceber que ela vinha em minha direção, pus-me de pé, danei-me a correr e ela em meu encalço.
Dei algumas voltas pelas varandas do Chalé! Ela estava botando os “bofes” pela boca.
Minha Mãe interferiu: mandou-me parar de correr e
deu-me novo banho.
Senti-me vingado!
(28/09/05)
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Imagem 33. Candido Portinari.
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Imagem 33. Candido Portinari.
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