Tio Augusto

Era meu tio-avô. Sua figura, seus gestos, sua inquietação com pequenos intervalos de quietude, ficaram indelevelmente gravados em minha mente.

Alto, seco, tez alva, cabelos grisalhos, olhos vivos, atentos, olhar penetrante, sempre fumando, sempre falando em voz alta, sempre ges- ticulando, dedo em riste, como se estivesse discursando ou discutindo com um ser invisível para os demais.

Era doente mental, não obstante, demonstrava carinho e cuidados com as crianças, em especial com os sobrinhos.

Vejo-o sentado em sua cadeira preferida, mais alta que as outras, no alpendre de nossa casa. Lembro-me também do quartinho humilde nas vizinhanças do Chalé que lhe servia de dormitório.

Em seu falatório desconexo, quando pressentia a presença de um dos sobrinhos, exaltava-se, alteava a voz e continuava falando e gesticulando com mais intensidade; todavia não era agressivo.

Não obstante, a música fascinava-o. Quando ouvia alguém cantar ou tocar algum instrumento musical, aos poucos, baixava a voz até silenciar completamente. Ficava extasiado!

Isto acontecia com frequência ao ouvir seu sobrinho Sólon cantar ou assobiar. Embevecido, acalmava-se e silenciava.

Quando estava exaltado, nervoso, meu Pai pedia ao irmão Sólon que cantasse e, já nos primeiros acordes, ele reduzia o timbre da voz até acalmar-se. Fumava com sofreguidão, descontrolada e prazerosamente.

Ficou-me, como última recordação, seu embarque no trem do Leste Brasileiro para Salvador, em 1934.

Vejo-o na estação, junto a Papai, Mamãe e Mãe Cecy (assim a tratávamos carinhosamente, professora de muitas gerações em Queimadas).

Esta foi sua última viagem. Não voltei a vê-lo, mas nunca o esqueci! 

Em Salvador foi internado no asilo da Boa Vista de Brotas. Pouco tempo depois faleceu.

(16/07/2006)

Observação: Tio Augusto era filho de minha bisavó Marcolina e do bisavô José Rai- mundo Nonato Borges. Migraram de Tucano para Queimadas na penúltima década do século XIX.

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Imagem 35.  "Retrato de um Homem Velho", desenho de Leonardo da Vinci.