A Morte!
Contava cerca de quatro anos quando me deparei com o enigma da morte. A palavra, para mim, soava distante, referia-se aofalecimento de alguém que sequer conhecia. Não me atingira, não me tocara. Todavia, não me poupou. Chegou o dia em que me feriu.
A vítima foi um primo com idade de 2 anos. Tratavam-no por Zequito. Sua morte foi a primeira a traumatizar-me. Faleceu na casa de meu avô Elias e ali, na sala de visitas, foi velado.
Enquanto a urna funerária estava sendo confeccionada, o cadáver ficou sobre uma pequena mesa forrada com lençol branco, ornamentada com flores, alumiado por quatro velas que tinham como suporte castiçais de vidro.
Curiosos, adultos e crianças, circundaram-no, olharam-no discretamente e afastaram-se, mas permaneceram no recinto.
Sussurravam como se temessem “despertar” o “anjo”. Sim, estava envolto em uma mortalha branca, com enfeites de arminho. Assim, foi sepultado.
Sua mãe chorava! Era consolada pelas visitas com palavras de encorajamento, de conforto.
Logo trouxeram a urna funerária – um caixão forrado de tecido branco com enfeites prateados. Nele colocaram o cadáver frio e enrijecido do Zequito.
Comovi-me vendo-o coberto com flores, confinado no caixão pequeno como ele.
Às dez horas iniciaram-se os preparativos para o cortejo fúnebre. Nesse momento o choro de sua mãe fez-se mais intenso, mais alto e mais sofrido. Era a hora da despedida. Agarrou-se ao caixão, molhou com lágrimas o cadáver do filho pequenino. Beijou-o e acariciou-o. Era o adeus! Cautelosamente foi afastada.
Logo, quatro meninos, segurando em alças de tecidos, retiraram o ataúde da sala, ganharam a rua rumo ao cemitério. No percurso revezavam-se.
Logo formou-se o cortejo de homens, meninos e algumas mulheres.
O cemitério fica ao lado da igreja de Santo Antônio, no alto de uma colina. Ai chegando, o caixão foi posto no chão e logo fechado – pancadas lúgubres de martelo foram ouvidas. A sepultura cavada no chão esperava-o. Ao seu lado, o montículo de terra, que serviu para fechá-la.
Agora todos estavam ao seu redor. Os adultos conversavam tranquilamente, indiferentes ao trabalho do coveiro, observado atentamente pelas crianças.
Finalmente o caixão foi levado pelo coveiro, que, com cordas, o fez descê-lo ao fundo da cova. Feito isso, pessoas pegavam punhados de terra vermelha, aparentemente úmida, e jogava-os sobre o caixão – ouvia-se o baque surdo e cavernoso. Com a pá o coveiro encheu a cova de terra; a sobra foi posta sobre a sepultura, formando um montículo.
Foi o que restou de um ser humano! Esse foi o primeiro momento em que a morte me mostrou sua face cruel. Mais que a morte, compungiu-me o choro convulsivo da Mãe de Quito.
(25/05/2007)
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Imagem 36. Portinari. "O Enterro". Fonte: internet.
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Imagem 36. Portinari. "O Enterro". Fonte: internet.
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