Despedida



Tinha cinco anos de idade, não sabia o que era a morte, parecia-me distante, até o falecimento de um primo, criança como eu.
Mas foi a morte de minha Mãe que me fez sentir a dor da saudade, da separação, da perda.
Ela teve seis filhos. Seus partos tinham sido, até então, normais. No último, por imperícia da parteira, adveio-lhe uma hemorragia que só foi debelada quando seu organismo estava fragilizado.
Os recursos médicos disponíveis em Queimadas eram muito limitados, pode-se dizer que não existiam. Considerou-se temerário levá-la a Salvador porque o único meio de transporte era o trem, e a viagem durava cerca de doze horas.
Em Queimadas não havia médico. Foram solicitados dois médicos que clinicavam em cidades vizinhas.
Medicamentos e barras de gelo eram conservados com pó de serra e acondicionados em caixotes de madeira. Da Bahia vinham grandes ampolas de vidro contendo soro.
O diagnóstico foi retenção da placenta. Extraídos os resíduos, logo cessaram a hemorragia e a febre.
A ansiedade era tormentosa, angustiante. Essa inquietação estava prestes a completar 30 dias.
Era tarde!
No Chalé, grande era o movimento de pessoas – parentes e amigos.
Minha mãe continuava acamada, doente. Os adultos não diziam, mas pensavam no pior – a morte.
Ela faleceu!
Com a pouca idade que eu tinha, não compreendia a gravidade da situação.
Em uma tarde ensolarada quando brincávamos – meus irmãos e eu – no quintal do Chalé à sombra de uma figueira centenária, fomos levados ao quarto de minha mãe. Disseram-nos que ela queria falar-nos.
Ela pressentira a morte. Pediu que nos chamassem, queria ver os filhos. Atenderam ao seu pedido.
Recomendaram-nos que não chorássemos em sua presença. Posicionamo-nos em volta da cama na qual repousava seu frágil e pálido corpo envolto com lençol branco.
Entre lágrimas chamou pelo nome de cada um dos filhos e, emocionada, com a voz débil e embargada, disse-nos não saber se sobreviveria. Pediu-nos que fôssemos unidos, que não brigássemos e que fôssemos obedientes a Papai e às pessoas que ficariam conosco. Recomendou também que estudássemos.
Despediu-se dos filhos, crianças, pedindo-lhes que orassem.
Disse-nos que sempre estaria ao nosso lado, guiando nossos passos e, entre lágrimas, abençoou-nos, desejando-nos felicidades.
Com muito custo contivemos o choro e, ao sairmos do quarto, oramos um Pai Nosso pedindo a Deus que a salvasse. Essa era nossa esperança.
Não imaginava as consequências de sua morte em nossas vidas!
Minha Mãe fez recomendações ao meu Pai. Pediu-lhe que não constituísse outra família, que a filha recém-nascida, Terezinha, ficasse sob os cuidados de sua prima Mariana, a quem dedicava grande estima.
Solicitou a tia Nira, sua cunhada que ficara viúva no ano anterior, que viesse com os filhos morar conosco para acabar de criar-nos. Disse-lhe que queria ser sepultada com trajes semelhantes aos de Santa Terezinha, de quem era devota.
Escolheu os padrinhos das três últimas filhas, batizadas em casa, antes de sua morte.
No dia 25 de abril de 1935, entre 9 e 10 horas, ao surto de uma infecção, faleceu.
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Suas últimas palavras foram: – “SALVEM-ME”. Foi o final de uma fase em nossas vidas!

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Imagem 38: Picasso "Mãe e criança"

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