A Morte de Minha Mãe
25 de abril de 1935. Pombas fogo-pagô pousadas na cumeeira da casa entoavam o gorjeio fúnebre que lhes é peculiar: “Fogo-pagô”, “fogo-pagô!”.
Enxotadas, retornavam com o mesmo canto!
Enquanto isto minha Mãe findava-se...
Durante toda sua doença estive ao seu lado, mas os adultos, ao pressentirem o seu desenlace, arranjaram pretextos para afastar-me de casa.
Na volta, ao aproximar-me de casa, percebi que as pessoas choravam. Tinham panos e lenços no rosto. Não imaginei a gravidade do que acontecera. Chorei porque todos choravam.
Entrei em casa aos prantos. Queria ver minha Mãe.
Puseram-me no braço tentando consolar-me. Acalentaram-me, mas impediram-me de vê-la.
A casa abrigava parentes, amigos e curiosos.
A morte, apesar de ser um fato natural, é um enigma que causa sofrimento. A dor tomou conta de todos! As expressões eram de pesar e de tristeza.
Queria a todo custo ver minha Mãe. Procuravam distrair-me. Diziam-me que ela dormia.
À noite, Maria José, parenta e amiga da família, pegou-me em seus braços e levou-me ao quarto onde jazia sobre a cama o corpo inerte de minha Mãe.
Tentei desvencilhar-me dos braços que me aconchegavam para tocá-la e acordá-la! Minha Mãe permanecia indiferente à minha presença.
Um pano passava da cabeça ao queixo e tufos de algodão vedavam- lhe as narinas. Foi a última vez que a vi!
Não poderia ver seus olhos, sentir o afago de suas mãos, ouvir sua voz meiga e doce, seus sábios conselhos e ensinamentos. Ali tive a percepção da morte e do que ela representava.
Logo Maria José conseguiu que, em seus braços acolhedores, eu dormisse.
Não presenciei a sentinela.
Quando acordei, o corpo de minha Mãe estava na sala de visitas, no ataúde; sob este havia um fogareiro queimando incenso. Velas ardiam.
Não a vi mais, pois o ataúde permaneceu fechado, como ela pedira.
Na sala estavam pessoas que foram render-lhe a última homenagem. Suas feições estavam contrafeitas.
Logo mais tarde, por cerca das 10 horas, foi a vez de levarem-na para sempre para o cemitério.
As pessoas de casa choravam.
Vimos à distância a saída do cortejo.
Homens a pé, em silêncio, acompanhavam o féretro, revezando-se na condução do ataúde.
Os músicos da filarmônica Lira Queimadense, uniformizados e com seus instrumentos, em silêncio, incorporaram-se ao cortejo. Pretendiam tocar a marcha fúnebre, mas Papai não concordou.
A igreja de Santo Antônio, onde foi feita a inumação, fica a cerca de dois quilômetros do Chalé.
A hora da retirada do ataúde foi a mais dolorosa. Foi quando se efetivou a separação, a hora da despedida!
Postamo-nos no alpendre principal vendo o féretro descer suas escadas e, depois, quando o cortejo tomou a lateral do Chalé, passamos para a varanda da cozinha e vimos o séquito passar até desaparecer na curva da sementeira. Depois retornamos ao alpendre principal e, com os olhos voltados para a Igreja de Santo Antônio, aguardamos avistar, à distância, e pela última vez, o cortejo.
Acenamos com as mãos e com panos, como se ela nos estivesse vendo darmos-lhe o último adeus! Seu corpo foi sepultado no alpendre lateral da Igreja de Santo Antônio das Queimadas.
Sobre a sepultura há uma lápide com seu nome, o de meu Pai e de todos os filhos, com se seguintes versos:
“Dorme em paz em teu jazigo, Em tua final mansão. Estarás sempre comigo, Viverás em meu coração.”
Os primeiros meses após a morte de minha Mãe foram de assimilação do sofrimento, de racionalização da ausência.
Sentia sua falta.
Por muito tempo, confundi sonho e realidade.
Imaginava-a viva e que tudo o que acontecera não passara de sonho, de pesadelo.
Dormia convicto de que, ao acordar, iria encontrá-la a meu lado.
À noite, na cama, chorava silenciosamente. Não compartilhava a dor e a ilusão do retorno com ninguém. Meu sofrimento era solitário.
Raios da luz mortiça da lua infiltravam-se pelas gretas do telhado. Punha-me a contemplá-los com os olhos lacrimejantes e, assim, adormecia e sonhava com seu retorno.
Dormia com a ilusão de estar sendo embalado em seus braços. Acordava na manhã seguinte para viver a dura realidade.
Com o tempo, o sonho desvaneceu-se, cedendo lugar à lembrança e à saudade.
Toda noite rezávamos o Pai Nosso a ela dedicado, a quem pedíamos benção, com os olhos voltados para o céu.
Com frequência visitávamos sua sepultura, onde, de joelhos, orávamos, acendíamos velas e púnhamos flores.
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