Vovô Góes



Assim o tratávamos, todavia, não era nosso avô, sequer parente, era um amigo fraterno de Papai.
Tão amigo que, ao morrer, veio avisá-lo e dele se despediu com algumas batidas na porta de seu quarto, alta madrugada, coincidentemente na mesma hora (como depois se conferiu) que o bom “vovô” partia deste mundo. Dele guardo amenas recordações.
Era de cor branca, com manchas senis, olhos claros, cabelos brancos bem aparados, braços e pernas curtos, baixo, forte; trajava habitualmente calça caqui e camisa xadrez. Parecia sereno e de pouca conversa.
Eu e meu irmão passamos alguns dias em sua casa, desfrutando das gentilezas e bondades dos vovôs Góes e Dorcelina e da beleza da paisagem serrana.
Os doces confeccionados pela vovó faziam a festa de meu paladar infantil, contudo, não superavam o adocicado “alfenim” vendido nas feiras, em formatos diversos tais como bonecas e trançados. Feito com água e açúcar misturados e levados ao fogo, mexidos até alvejar e depois espichados manualmente até ficar branco como o leite. É uma delicia!
O vovô Góes morava em Monte Santo, que dista 84 km de Queimadas. Sua casa ficava em um pomar, na encosta da Serra de Piquaraçá, hoje, de Monte Santo.
No topo da serra fica a capela de Nossa Senhora das Dores, construção datada do século XVIII. Planejou-a o sacerdote Apollonio de Todi por cuja inspiração se fez, no dizer de Euclides da Cunha em Os Sertões, “o templo prodigioso, monumento erguido pela natureza e pela fé, mais alto que as mais altas catedrais da terra.”
Ao amanhecer o topo da serra era coberto pela neblina.
O acesso à capela é árduo. A caminhada de 3 km é feita sobre pedregulhos ou sobre lajedos escorregadios.
No percurso, à sua margem, ora à direita, ora à esquerda, guardando certa equidistância, há 25 capelinhas brancas, guardiãs de painéis que assinalam os passos de Jesus Cristo a caminho do Calvário.
A natureza era pródiga em beleza, serras e vales verdejantes e céu azul.
Esse caminho escala a serra, cortando um trecho da caatinga que a contornava com a vegetação que lhe é peculiar – arbustos tortuosos e cactos agressivos.
Um dia, sentado à porta de sua casa, o Vovô Góes nos fez uma proposta – prometeu-nos um “alfenim”, se conseguíssemos dobrar uma das unhas de suas mãos. Topamos a parada, lutamos e perdemos. Era impossível – faltavam-nos forças. Mesmo assim recebemos o troféu. Coisa de avô!

______

Imagem 51: Colagem sobre pintura de Frederick Morgan por Neyde Lantyer

Comentários

Postagens mais visitadas