Bico Queimado



Dos avós conheci apenas o avô Elias, pai de minha mãe. Usava óculos, tinha baixa estatura, pele branca, calvo, olhos claros. Foi comerciante e fazendeiro. Era inteligente e afetivo. Sabia captar e transmitir sentimentos através da prosa e da poesia.
Visitava-o com frequência, não por cortesia, mas por interesse: a visita era “remunerada” pelo bom vovô! Mal lhe pedia a benção, metia a mão na algibeira e dava-me uma moeda.
Na época o padrão monetário era o réis. A unidade, na prática, era o mil réis. Tostão era moeda divisionária, igual a 100 réis, um milhão de réis é um conto de reis (para maiores esclarecimentos, voltar ao título “Três Tostões”).
Quase sempre vovô me dava um cruzado, moeda de níquel maior e mais pesada que as outras. Seu valor era o de 4 tostões. Enchiam-me os olhos e o bolso. Para mim, era muito dinheiro!
Da casa do vovô ia direto ao armazém da esquina de seu Martinho, que me atendia com alegria. Imaginava, por certo, que vindo de onde vinha, estava “endinheirado”.
Comprava bombons rajados de diversas cores que ficavam acondicionados em grandes frascos posicionados em cima do balcão.
O Sr. Martinho era negro, alto, olhos pretos e miúdos. Simpático e magro, trajava calças listradas presas por suspensórios.
Vovô Elias, na época, era prefeito do município. Em sua casa senhorial, ampla, guarnecida com móveis de estilo clássico, contornada por grandes varandas, com quintal e jardins bem cuidados, vovô recebia políticos, amigos e parentes. Sua casa era movimentada.
Na sala de jantar havia uma rede armada em um dos cantos, onde ele descansava e recebia pessoas da família e os amigos mais íntimos.
No meio da sala ficava uma grande mesa – larga e comprida – rodeada de cadeiras de palhinha.
Certo dia após receber um cruzado, sentei na cadeira que ficava na cabeceira da mesa.
Serviram-me um cafezinho com sequilhos.
Senti-me importante. Era tratado como um adulto. Com dificuldade alcancei a xícara posta sobre a mesa, levei-a até a boca e tentei sorver o primeiro gole. Ato contínuo expeli-o! Atirei a xícara ao chão e chorei, chorei de dor! O café queimou-me!
Meu avô e sua esposa, tia Milita, procuraram minimizar meu sofrimento untando meus lábios com manteiga.
Passado o momento do desespero meus irmãos apelidaram-me “bico queimado”!  Enquanto isto, Papai me dizia: “homem não chora”.

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Foto no. 52 : Cel. Elias Marques, avô paterno do autor.

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