Pior a Emenda que o Soneto
Éramos crianças. Eu com cerca de sete anos. Ficamos aos cuidados de Mundinha, que trabalhava em nossa casa.
A viagem começou cedo, por volta das 6 horas.
Ao lado do Chalé, onde ficava o último ponto de parada de veículo, antes da travessia do Itapicuru, subimos na carroceria do caminhão do Sr. Zelino, o único existente na cidade. Outros passageiros embarcaram.
Viajamos na carroceria encarrapitados sobre sacos de mercadorias.
A estrada era de terra. Na região não se conhecia o asfalto.
A passagem do caminhão despertava a poeira acamada na estrada, levantando-a como se fora uma nuvem de pó espalhada no ar, seguindo o caminhão, impregnando-se na roupa e no corpo dos passageiros.
O movimento do veículo dava a sensação de que a caatinga, à margem da estrada, rodopiava. Para não ficar zonzo, recomendaram-me olhar para frente.
O caminhão seguiu viagem, passando pelo rio Jacurici, pela entrada do Mari, do Gabriel, por um bonito “ouricurizal”, em uma capoeira de areia branca.
Alcançou o Monteiro, passou sobre a barragem do açude e por seu sangradouro por onde escorria o excesso de água das chuvas recentes.
Ficaram para trás os sítios do Angico, de Seu Aprígio, do Tubi e de Antônio Carreiro.
Ao longe avistamos uma serra que aflorava em extensa planície co- berta por névoa branca e esfarrapada, que deixava transparecer seu perfil. Era a Serra Branca.
Depois de cinco horas de viagem, estropiados, cobertos de pó,
cansados, famintos e sedentos, chegamos a Cansanção.
Hospedou-nos o Senhor Domingos, chefe político local, agente do correio, comerciante – dono de padaria.
Era parente e amigo de nossa família.
Sua casa, a melhor da vila, era espaçosa, com mobiliário rústico.
Pela casa tinha-se acesso à padaria e às instalações para fabrico de pães.
Depois de alojados tomamos banho e “despimo-nos” da capa de poeira que nos cobria da cabeça aos pés.
Não havia chuveiro. O banho era de “sopapo”. Com uma cuia tirava-se água de uma lata e jogava-se sobre o corpo.
Aliviados da poeira, saciada a fome, saímos para conhecer o povoado.
Era um pequeno distrito de Monte Santo com cerca de cinco ruas e uma praça, com igreja, açude que abastecia a população de água e um telheiro no meio da praça que abrigava os feirantes. Essas eram as ben- feitorias públicas existentes do local.
As ruas engalanadas de bandeirolas de papel de seda colorido estavam apinhadas de gente.
Homens, mulheres, crianças, moços e idosos passeavam descontraidamente visitando barracas de bugigangas, de jóias, ou de comidas e bebidas – as mais procuradas. Dentre eles haviam ciganos, cantores populares, tocadores de sanfonas, de gaitas, pedintes, deficientes físicos, vendedores de jinjibirra, de quebra-queixo, de cocadas, de pirulitos, de jóias, bijuterias e de alfenins – Ah! Os deliciosos alfenins!
A polícia estava presente. Dois ou três soldados com fardas caqui circulavam impondo respeito e ordem.
Visitamos pessoas conhecidas e amigas, como Adélia, Celina e a família do Sr. Ambrósio.
Hospedou-nos o Senhor Domingos, chefe político local, agente do correio, comerciante – dono de padaria.
Era parente e amigo de nossa família.
Sua casa, a melhor da vila, era espaçosa, com mobiliário rústico.
Pela casa tinha-se acesso à padaria e às instalações para fabrico de pães.
Depois de alojados tomamos banho e “despimo-nos” da capa de poeira que nos cobria da cabeça aos pés.
Não havia chuveiro. O banho era de “sopapo”. Com uma cuia tirava-se água de uma lata e jogava-se sobre o corpo.
Aliviados da poeira, saciada a fome, saímos para conhecer o povoado.
Era um pequeno distrito de Monte Santo com cerca de cinco ruas e uma praça, com igreja, açude que abastecia a população de água e um telheiro no meio da praça que abrigava os feirantes. Essas eram as ben- feitorias públicas existentes do local.
As ruas engalanadas de bandeirolas de papel de seda colorido estavam apinhadas de gente.
Homens, mulheres, crianças, moços e idosos passeavam descontraidamente visitando barracas de bugigangas, de jóias, ou de comidas e bebidas – as mais procuradas. Dentre eles haviam ciganos, cantores populares, tocadores de sanfonas, de gaitas, pedintes, deficientes físicos, vendedores de jinjibirra, de quebra-queixo, de cocadas, de pirulitos, de jóias, bijuterias e de alfenins – Ah! Os deliciosos alfenins!
A polícia estava presente. Dois ou três soldados com fardas caqui circulavam impondo respeito e ordem.
Visitamos pessoas conhecidas e amigas, como Adélia, Celina e a família do Sr. Ambrósio.
Estivemos na igreja da Padroeira que ficava um pouco afastada do
aglomerado de pessoas. Era uma pequena capela caiada de branco, bem
cuidada. As pessoas que lá se encontravam oravam em silêncio.
Tudo transcorria em paz.
Era hora do almoço. Na casa do Sr. Domingos a mesa imensa tornou-se pequena para acolher os convivas.
A comida era farta e gostosa. Conversava-se e comia-se.
Lá para as tantas, alguém perguntou se fora vista, na rua, D. Clotíldes.
Eu falei alto e em bom tom: “Eu vi ela”.
Uma professora que namorava um dos filhos do Sr. Domingos logo me corrigiu:
– “Não se fala assim. O certo é dizer eu a vi”.
Sem titubeios, confiante, “corrigi-me” e falei para todos ouvirem: “Eu a vi ela”.
A risada foi geral. Veio nova lição da qual nada entendi. Fiquei escabreado e macambúzio.
À noite acomodamo-nos e dormimos em um grande quarto próxi- mo ao forno da padaria, alimentado com lenha.
De madrugada, o ruído do trabalho dos padeiros acordou-me.
O cheiro gostoso de pão quente, saído do forno, tentou-me. Levantei. Fazia frio. Aproximei-me do forno para aquecer-me. Em verdade estava de olho no pão. O padeiro compreendeu minha manha e deu-me um pão quentinho e saborosíssimo.
Logo, todos acordaram e foram atrás do pão.
Por alguns minutos fiquei vendo como era fabricado o pão.
Sem camisas, suados, os padeiros seguravam a massa com as mãos, rolavam-na de um lado para outro em cima de uma tábua, enquanto, de seus corpos, escorria o suor que a “temperava”!
Tudo transcorria em paz.
Era hora do almoço. Na casa do Sr. Domingos a mesa imensa tornou-se pequena para acolher os convivas.
A comida era farta e gostosa. Conversava-se e comia-se.
Lá para as tantas, alguém perguntou se fora vista, na rua, D. Clotíldes.
Eu falei alto e em bom tom: “Eu vi ela”.
Uma professora que namorava um dos filhos do Sr. Domingos logo me corrigiu:
– “Não se fala assim. O certo é dizer eu a vi”.
Sem titubeios, confiante, “corrigi-me” e falei para todos ouvirem: “Eu a vi ela”.
A risada foi geral. Veio nova lição da qual nada entendi. Fiquei escabreado e macambúzio.
À noite acomodamo-nos e dormimos em um grande quarto próxi- mo ao forno da padaria, alimentado com lenha.
De madrugada, o ruído do trabalho dos padeiros acordou-me.
O cheiro gostoso de pão quente, saído do forno, tentou-me. Levantei. Fazia frio. Aproximei-me do forno para aquecer-me. Em verdade estava de olho no pão. O padeiro compreendeu minha manha e deu-me um pão quentinho e saborosíssimo.
Logo, todos acordaram e foram atrás do pão.
Por alguns minutos fiquei vendo como era fabricado o pão.
Sem camisas, suados, os padeiros seguravam a massa com as mãos, rolavam-na de um lado para outro em cima de uma tábua, enquanto, de seus corpos, escorria o suor que a “temperava”!
Depois a massa com o formato de pão ia ao forno aquecido com a
queima de madeira.
Esse era o pão que todos comiam, com o suor do corpo do padeiro!
Alimentados, voltamos à cama a adormecer.
Despertos, depois do café, fomos à missa festiva na igreja e, à tarde, acompanhamos o préstito religioso percorrendo as ruas, com expressivo acompanhamento do povo, ao som de cânticos religiosos.
Terminadas as festividades retornamos a Queimadas.
A viagem foi proveitosa. A duras penas aprendi algumas lições:
Viela é beco sem saída;
Eu a vi ela é beco sem entrada e sem saída;
Criança não se mete em conversa de adulto;
Comemos o pão amassado com o suor do semelhante.
_____________
Imagem 56: "A Procissão das Virgens" de Dag França (fonte: internet)
Esse era o pão que todos comiam, com o suor do corpo do padeiro!
Alimentados, voltamos à cama a adormecer.
Despertos, depois do café, fomos à missa festiva na igreja e, à tarde, acompanhamos o préstito religioso percorrendo as ruas, com expressivo acompanhamento do povo, ao som de cânticos religiosos.
Terminadas as festividades retornamos a Queimadas.
A viagem foi proveitosa. A duras penas aprendi algumas lições:
Viela é beco sem saída;
Eu a vi ela é beco sem entrada e sem saída;
Criança não se mete em conversa de adulto;
Comemos o pão amassado com o suor do semelhante.
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Imagem 56: "A Procissão das Virgens" de Dag França (fonte: internet)
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