A Professora

Dete cursava o 4o ano do curso primário e eu estava sendo alfabetizado.
Naquele tempo em Queimadas, era comum a criança ser alfabetizada a partir dos seis anos. Comecei aos sete em virtude da morte de minha Mãe.
Familiarizei-me com o alfabeto através do “ABC”, depois passei para a “CARTILHA do POVO” e, no ano seguinte, para a “CARTILHA DAS MÃES”.
A “Cartilha do Povo” estampava na capa o desenho de mão espalmada, cada dedo apontando uma vogal – A, E, I, O, U.
Nelas havia frases que me deixavam intrigado, como estas: “O rato roeu a roupa de Rute” e, “O menino dormiu zangado e acordou doente”.
As primeiras lições da cartilha traziam vocábulos isolados, tais como: “pai”, “mãe”, “sapato”, “bota”, “ovo”, “pato”, “Ivo”, “Eva”, “mesa”, etc. Sobre estes ficavam as estampas correspondentes. O estudante deveria soletrá-las e decifrar-lhes os nomes.
O instrumento de ensino da aritmética era a tabuada.
Além da cartilha e da tabuada, exigiam-se do aluno a lousa, o tinteiro, o caderno, o papel pautado, a pena, a caneta e o tinteiro.
Dete prontificou-se a me ensinar as lições do dia seguinte.
Na copa, sob a luz bruxuleante de um candeeiro, ela, compenetrada, na postura de mestra, ocupou a cabeceira da mesa, eu, aluno, fiquei ao lado, tentando adivinhar as palavras que magicamente se formavam com a junção das letras.
Preparava a lição do dia seguinte tendo sob os olhos a cartilha. Temia não superar as dificuldades que me pareciam complicadas!
Suava frio!
Mal acabara de avaliar a complexidade da lição, a “professora” or
denou-me que soletrasse as palavras e que as “decifrasse”. Para mim era uma tarefa árdua e penosa.
Demorei-me alguns minutos. Ela se impacientou. Exigente, não admitia erros.
Acertei algumas palavras. Comecei a entusiasmar-me, a achar a lição fácil; mas, ai de mim! Lá estava a figura de uma BOTA, foi nela que “tropecei”.
Soletrei: – “B-o-bo-t-a-ta”. E conclui satisfeito e compenetrado: – “Sapato”.
Não houve tempo para comemorar a imaginada “vitória”.
O “elogio” e o “prêmio” foram instantâneos. Um sonoro grito “Burro!” E coroando-me, um safanão na cabeça.
Chorei e o “burro” ficou zurrando em meus ouvidos por algum tempo. Não entendi nada. Olhava a lição e pensava, me perguntando encabulado: bota não é sapato? Pensava e repensava e chegava sempre à mesma conclusão: sim, bota é sapato; e imaginava que essa professora não estava com nada!
Faltava-me coragem para indagá-la, pois iria desmoralizá-la. Temia sua reação, poderia dar- me outro grito aterrador. Preferi engolir seco.
Ela perdeu o aluno e eu aprendi que bota é, sim, um tipo de sapato. Que o digam os letrados!




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Imagem 57: Fotografia da Professora Cecy Souza (Mãe Cecy)
Imagem 58: Cartilha do Povo. Fonte: internet

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