Estudos


Papai valorizava a formação cultural e incentivava-nos a estudar, incutindo aos filhos o gosto pela leitura, o amor aos livros.
Reforçava esse apelo dizendo-nos que Mamãe recomendara que não se descuidasse de nossa formação intelectual.
Papai cumpriu o que prometera. Os homens concluíram o curso universitário e formaram-se em médico e bacharel em ciências sociais e jurídicas. As mulheres formaram-se em professoras.
Demi e Dete ingressaram na escola primária aos seis anos de idade. Demi, na Escola de Mãe Cecy e Dete na da Professora Maria José.
Mãe Cecy (assim a tratávamos) era uma mulata gorda, simpática, sorridente e bem humorada; deixava à vista dentes alvos e perfeitos. Sua voz alta e sonora irradiava alegria e vitalidade. Usava óculos. Era uma mulher de cabelos crespos e feições delicadas.
A professora Maria José de Brito era branca, baixa, cheia de corpo, retraída, calada, fala mansa e muito religiosa. Sua escola só recebia meninas.
A morte de minha Mãe em abril de 1935 retardou em um ano meu ingresso na escola. Com isso Tia Nira, irmã de meu pai, com três filhos e uma doméstica, vieram morar conosco. Éramos oito crianças e cinco adultos.
Em 1936 passei a frequentar a escola. Foi traumático deixar o aconchego do lar e passar a conviver com estranhos em ambiente desconfortável e, às vezes, hostil. No meio de cerca de quarenta alunos, sentia-me deslocado.
A escola funcionava no chalé, em sala ampla, ventilada, boa luminosidade, situada em área de muito verde, em ambiente tranquilo. Sem dúvida superava as demais não obstante o mobiliário paupérrimo. Os alunos sentavam-se em rústicos bancos ou cadeiras que traziam de suas casas ou, em menor número, em bancos com armação de ferro trabalhado, bonitos, porém desconfortáveis. No fundo da sala ficava um sofá marquesa largo e comprido. Nele sentavam-se os alunos mais velhos.
A professora tinha cadeira com braços que, aparentemente, era confortável. À sua frente uma mesa singela voltada para os alunos. Ao seu lado, suspenso no centro da parede, ficava um pequeno quadro com a estampa do “Mestre” e, mais abaixo, no lado esquerdo da professora, um pequeno quadro-negro e os mapas do Brasil e do mundo.
Naquele tempo em Queimadas não havia o curso pré-primário. Existiam apenas três escolas primárias. As crianças ingressavam na escola no primeiro ano primário, onde eram alfabetizadas.
Minha primeira professora foi Hildete. Bonita, simpática, esguia, alta, elegante, branca, olhos pretos graúdos e expressivos – irradiavam vivacidade. Sobrancelhas e cabelos pretos lisos e aparados, às vezes, com o “pega-rapaz”. Braços delgados cobertos com fina penugem clara, terminavam em mãos e dedos compridos com unhas longas tratadas com capricho, pintadas com “fátima” (assim se denominava o esmalte). Vestia-se com aprumo, observando a moda. Usava sapatos de salto alto.
Sua voz era firme e imperiosa. Rigorosa com os alunos, impunha- lhes respeito. Casou-se mais tarde com meu tio Osvaldo. Ocupou, no magistério, o lugar que fora de minha mãe.
Fui alfabetizado com o “ABC”, depois passei à “Cartilha das Mães” e, mais tarde à “Cartilha do Povo” e a “Tabuada”, com a qual aprendi a lidar com as quatro operações aritméticas.
Não me lembro a idade que tinha quando aprendi a ler e escrever. Meu curso primário foi precário. Tinha interesse pelo estudo, mas faltava-me estímulo.
Minha segunda mestra foi Alda Martins, de baixa estatura, porém elegante, alegre e jovial. Cativava pela simpatia. Com ela a escola foi transferida para a praça de baixo, funcionando em sala sem comodidade e segurança. Foi a primeira escola que frequentei fora de casa. A mudança não me agradou.
Lígia Souza foi a última professora de meu curso primário. Não o conclui.
Havia em Queimadas a escola “particular” de D. Maninha, o terror dos meninos! Seu forte era a tabuada cantada em voz alta. À distância ouvia-se a cantilena. Aos sábados fazia-se a sabatina. A professora, em tom desafiador, ditava números e a operação desejada – somar, multiplicar, dividir ou subtrair. O aluno escolhido dava o resultado, se errasse, era castigado com um “bolo” de palmatória aplicado pela professora ou por colega.
No Município não existia ginásio. Papai, preocupado com nosso estudo, comprou uma casa em Salvador, no Amparo do Tororó, 91, para onde nos mudamos.
Em meados de 1941, embarcamos em um trem do Leste Brasileiro em viagem de 12 horas de duração. Éramos cinco adultos e oito crianças sequiosas de curiosidades para conhecer a “cidade grande”. O gosto durou pouco, retornamos ao velho ninho. Era época da 2a Grande Guerra. A vida tornou-se difícil, os preços dispararam face a escassez de produtos essenciais à sobrevivência. Adoeci. Tive que retornar. Fiquei com a família de Tio Vadinho que na ocasião morava no chalé. Nessa fase não frequentei a escola. Foi outro ano perdido.
Passados cerca de dois anos todos voltaram, exceto eu, Dete e Demi. Ficamos em Salvador, em pensionatos. Neuza, Neyde e Ivanir passaram a estudar em Senhor do Bonfim.
Quando Papai programou colocar Demi e Dete na casa de parentes, excluiu-me sob a alegação de que não tinha condições econômicas de manter-nos em Salvador.
Pedi para ficar, insisti e chorei. Papai rendeu-se.
Em 1943 fui aprovado no exame de admissão ao ginásio, no Instituto Normal da Bahia. Passei a cursar o 1o ano de Ginásio.
Senti o impacto da mudança. Tudo era estranho, colegas, professores... O choque emocional foi grande.

Com esforço e boa vontade cursei os quatro anos do ginásio. Tive muitas dificuldades em virtude da precariedade do curso primário que, sequer, conclui.
Todos concluíram os estudos, formaram-se, armados para enfrentar a vida. 

Imagem 60: Fotografia da Profa. Cecy Souza (Mãe Cecy) com seus alunos.

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