Primeira viagem à Bahia


Morávamos, meus pais, meus irmãos e eu em Queimadas, pequena vila no Nordeste da Bahia, situada na margem direita do rio Itapicuru, tendo como único meio de transporte para a capital, a estrada de ferro da Via Férrea Federal do Leste Brasileiro.
Salvador, na época – ano de 1938 – teria cerca de quatrocentos mil habitantes. Nós crianças, não a conhecíamos. Papai prometeu-nos, a Demi e a mim, levar-nos para conhecer a capital e assistir ao carnaval.
O primeiro a viajar foi Demi, em 1937. Ao retornar, narrava com entusiasmo o que vira, o que lhe despertara a atenção, tal como o elevador Lacerda, as igrejas “cobertas de ouro”, o plano inclinado e os desfiles dos clubes carnavalescos.
Os meninos, seus companheiros, ficavam embevecidos com o que ouviam do “Marco Polo” queimadense. Sonhavam um dia, conhecer a “Bahia”...
O ano passou e outro carnaval chegou. Era minha vez. Eu deveria estar com 8 anos de idade. É sobre esta viagem que pretendo discorrer.
Os preparativos deixavam-me ansioso. A jornada era longa, durava cerca de 12 horas.
A viagem era demorada. Os irmãos, primos e tios foram ao embarque na estação da estrada de ferro em Queimadas, em um dia de fevereiro de 1938. A partida foi às 20h. Viajamos meu Pai e eu na 1a classe.
O trem que provinha de Juazeiro, em seu percurso passou por dezenas de povoados e cidades até chegar à Bahia. Dentre elas destacavam-se Senhor do Bonfim e Alagoinhas...
Queimadas ainda era vila! Nos horários dos trens de passageiros, de embarque e desembarque de pessoas, a estação ficava movimentada; grande era o número de pessoas para viajar, distrair-se, namorar ou passear de um lado para outro em um caminhar incessante.
Quando a máquina apitava a maioria ficava na expectativa de o comboio parar, curiosos para ver os que chegavam e os que saiam.
Nos instantes que precediam à sua chegada, observava-se um trabalho intenso de ferroviários para despachar o trem que era composto por vagões adaptados para restaurante, para conduzir pessoas, sentadas ou em leitos e aqueles destinados a transportar mercadorias e animais.
Era uma agonia para não perder o trem ou não deixar de tomar o último gole de café. É que nas proximidades da estação havia vendedores de gulodices, frutas, carnes de aves, até mesmo carne de urubus, sim, é o que diziam!
Os vagões de passageiros eram de 1a e de 2a classe. Na primeira viajavam pessoas com maior poder aquisitivo. As “classes” acolhiam pessoas de todas as castas sociais. Havia os carros-leitos, para os que estivessem dispostos a pagar um pouco mais caro por mais conforto. Os preços das passagens variavam de acordo com a classe e a distância a ser percorrida.
A máquina, como um monstro de ferro, arrastava todo o comboio, deixando no ar a poeira misturada com fumaça e fagulhas. Parecia um paquiderme monstruoso, percorrendo seu caminho de ferro. Fazia-o com estrondo.
Além dos vagões referidos acima, havia os que eram destinados ao transporte de animais e de mercadorias.
O ambiente nas classes era de paz e harmonia. Com o embalo do trem alguns passageiros conversavam, outros liam ou cochilavam. Alguns dos passageiros só sossegavam quando eram vencidos pelo sono.
A viagem de trem propiciava o reencontro de amigos e conhecidos que moravam em cidades próximas. Em cada estação que parava desciam passageiros e outros embarcavam. A passagem dos trens movimentava as cidades.
Na estação encontravam-se pessoas de todas as idades, pobres, “ricos” e remediados. A chegada dos trens era uma diversão, com ele vinham notícias do que se passava no mundo, nos grandes centros.
As paradas eram identificadas, às vezes, pelos produtos anunciados pelos vendedores que pregavam os artigos expostos à venda. Em Alagoinhas o que mais se anunciavam eram as deliciosas laranjas. Em outras, a rolinha assada; em Queimadas, bolos, mingaus e milho verde assado na brasa.
Papai, de quando em vez, levava-me ao sanitário e ao restaurante. Depois de algum tempo, adormeci. A noite era escura, não permitia que se visse a paisagem. Só ao amanhecer passei a apreciá-la.
Com o trem desenvolvendo boa velocidade, comecei a ver a paisagem de muito verde e muita água – era um braço do mar. Tudo bem diferente da caatinga.
Na memória ficou uma ponte estreita que parecia avançar sobre o mar. Em determinado trecho avistei uma placa com a palavra CABRITO, creio que era um povoado do subúrbio.
O trem prosseguia.
Depois de muitas paradas, eis que chegamos à Bahia, cobertos de poeira e fuligem.
O trem atravessou a ponte e, em pouco tempo, avistava-se a estação da CALÇADA. A plataforma da estação estava movimentada com passageiros, os que chegavam, os que saiam e os carregadores – aqueles que carregavam bagagens e mercadorias da estação para entregá-las aos destinatários.
Um destes ficou preso à minha memória, foi o “Charutinho”. Preto, corpulento e com um defeito na perna direita que fazia com que ele a arrastasse. Mais tarde, quando fomos viver em Salvador, às vezes ele ia da Calçada ao Tororó levando uma cesta com mercadorias diversas – gêneros alimentícios.
A viagem foi longa e demorada. Papai alugou um “carro de praça”. Fomos para a Pensão Margarida, situada na Rua Carlos Gomes, centro comercial e administrativo da Bahia de então.
A permanência na cidade foi de 8 dias, nesse período andei com Papai pelas ruas principais.
Lembrando-me que ouvira dizer que minha madrinha Midu morava na “Bahia” , pedi a Papai para tentar localizá-la.
Papai procurou encontrá-la. Esteve para desistir, mas, ocasionalmente, deu de frente com um conhecido, que lhe informou que ela morava em um quarto de aluguel no centro da cidade.
Impressionou-me o movimento, a luminosidade. As lâmpadas de néon encantavam-me. Midu recebeu-nos com carinho e muito afago, dando-me brinquedos. 



Imagem 65 : Praça Castro Alves, Salvador, anos 30, autoria desconhecida.
Imagem 66: Rua Chile, Salvador, anos 40, autoria desconhecida.

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