Crendices e Coincidências





~ Rolinhas de “Fogo-Pagou ~

Há na caatinga diversas aves da espécie dos columbídeos, dentre elas, a rolinha “fogo-pagou”. Expressão onomatopéica de seu canto repetitivo, triste e enfadonho.
No imaginário popular elas são agourentas. Seus cantos prenunciam infelicidades, infortúnios e até a morte.
Coincidência ou não, elas estavam na cumeeira de nossa casa cantando “fogo-pagou” no exato momento em que minha mãe agonizava.
Não adiantou espantá-las. Voltaram reiteradas vezes repetindo o langoroso “fogo-pagou”, “fogo-pagou”... Entre um canto e outro, minha mãe expirou! 

~ Fogueira de São João ~

No Nordeste homenageia-se São João no dia do seu nascimento, 24 de junho. Muitos fogos, licores, comidas típicas – canjica, milho assado e cozido, amendoim, batata doce – e, o ponto alto das festividades: a queima da fogueira.
Todos ficam na expectativa de sua queda. Os meninos e rapazotes na esperança de “colher um de seus frutos”.
Afirmava-se que se o ramo da fogueira caísse na direção da porta da casa do dono da festa era prenúncio de morte, aviso de que alguém daquela casa não viveria até o São João do ano vindouro.
No São João de 1934 o ramo da fogueira caiu em direção à porta de nossa casa.
Minha mãe morreu em abril de 1935!

~ Banho Aurífero ~

Os pais que desejarem filhos afortunados devem dar-lhes o primeiro banho em bacia com peças de ouro, tais como jóias, que assegurará ao pimpolho um porvir de riqueza e abundância.
Dete foi a primogênita.
Meus pais, embevecidos com sua chegada, não titubearam, imaginando que se bem não fizesse, mal não haveria de fazer.
Deram-lhe o primeiro banho em bacia de louça inglesa onde estavam mergulhadas as jóias que possuíam.
Assim foi “batizada” com água aurífera.
Rica não ficou, mas tornou-se desde criança amante de jóias e de berloques.

~ Adivinho ~

O nascituro que chora no ventre materno adquire o dom de prever o futuro, torna-se adivinho.
No imaginário popular sonho e realidade confundem-se.
Estou envolto nessa lenda. Diziam-me que chorei no ventre de minha mãe. Sinha Bela contava, com foros de seriedade, que mamãe estava grávida, sentada na sala de jantar, sozinha, e ouvira um vagido vindo de suas entranhas. O choro era meu!
Não havia ninguém por perto. Logo se concluiu que o autor do vagido fora o nascituro, deduzindo-se que eu seria adivinho!
Seria bom se não fosse lenda.
Quando criança, pilheriava-se com essa minha capacidade de prever o futuro. Eu, ingênuo, acreditava. Mas esse dom jamais se manifestou!
Em brincadeiras com irmãos e primos pus à prova esse poder e sucumbi.
Mas o destino reservava-me grande surpresa reveladora deste poder sobrenatural que se manifestou através de um sonho!

Obs: Se tiver interesse em saber a verdade, leia a crônica “Dinheirama”.
  
~ A Caapora ~

É um ser que habita nas caatingas.
É Respeitado pelos matutos por ter o poder de interferir na vida de seres humanos que andam por seu habitat, fazendo-os extraviarem-se, perderem-se na caatinga.
A caapora quer ser cativada. Os matutos, para amansá-la, põem pedaços de fumo de corda e espelhos (são vaidosas) em locais estratégicos, por onde passam com frequência.

~ Olho de Seca Pimenteira ~

Acredita-se que certas pessoas têm força negativa no olhar. Assim, quando admiram alguma pessoa, põe-lhes “olhado”, causando-lhe doença, podendo levá-la à morte. O mesmo acontecendo com animais e vegetais.
Ouvi diversas “estórias” sobre mal olhado.
Papai, que sempre foi incrédulo, narrava que certa pessoa, comerciante em Queimadas, com fama de ser “seca pimenteira”, visitou-lhe. Admirou-se muito do tamanho da casa e, em especial, de uma bonita cajazeira, árvore de grande porte e de frutos deliciosos.
Expressou admiração pela cajazeira e pegou em um de seus ramos.
Poucos dias se passaram e a cajazeira começou a murchar. Secou. Feneceu!


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Imagens: Rolinhas, "A Festa de São João" por Jules Breton (1875), bola de cristal, "Árvore Seca" por Oscar Boeira, 1917

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